O Morro de Santiago, na Barra do Ceará, é palco de histórias absurdas. Como a de adolescentes proibidos de descerem o morro por estarem jurados de morte. “Eles nunca descem. Ficam direto lá, sem o direito de ir a uma escola, a canto nenhum”, denuncia uma fonte que O POVO opta por manter em sigilo.
Os adolescentes marcados para morrer fazem parte de um grupo chamado Ratos do Morro. Eles rivalizam com os Diabos do Polo, jovens que residem próximo ao polo de lazer da Barra do Ceará. A disputa é pelo domínio do tráfico de drogas na área. “Já morreram muitos. Tanto de um lado como do outro. Só amigos meus foram seis”, conta um jovem que mora nos arredores do morro.
Os confrontos diminuíram, mas a lista de quem deve morrer continua valendo. “É muito arriscado para eles descerem o morro. Atualmente, há três ou quatro adolescentes nessa situação”, revela a fonte. Os jovens “presos” no morro ficam exercendo atividades ligadas ao tráfico de drogas. “O único contato que eles têm com o pessoal de fora é na hora de vender a pedra (de crack). O cliente sobe para comprar”, acrescenta.
Na maioria dos casos, o jovem está jurado de morte por ter se envolvido em algum confronto direto com o grupo rival. “Quando morre alguém (de um dos grupos) fica aquele clima tenso. Todo mundo esperando o contra-ataque. A gente evita até ir pra rua”, diz um dos moradores ouvidos pela reportagem.
A disputa entre os grupos impactou até no trabalho do Programa Saúde da Família (PSF). Antes, era uma equipe só atendendo as duas comunidades. “Mas foi preciso dividir. Percebi que nenhuma criança do morro ia para o atendimento quando era perto do polo de lazer. Agora, tem um médico para cada área”, informa uma das profissionais do PSF.
A rivalidade é entre os integrantes dos grupos, mas os moradores que nada tem a ver com a história ficam no meio do fogo cruzado. “A gente fica com medo de bala perdida. Tem muito tiroteio. Eu posso estar aqui conversando contigo e, de repente, vem alguém pra matar uma pessoa. Chega atirando e todo mundo corre, entra no vizinho, faz o que pode pra escapar”, relata um dos moradores.
Há pelo menos quatro placas de “vende-se” nas casas que ficam na base do morro, mas nenhum dos proprietários relaciona a venda à violência na área. Os moradores também silenciam quando a pergunta é sobre os nomes dos chefes dos grupos rivais. O que se sabe é que os conflitos entre as áreas tiveram início na década de 1990, na época dos bailes funk. Posteriormente, as brigas entre gangues deram lugar à disputa por territórios para venda de droga.
Por quêAcompanhe a série
A disputa pelo tráfico tem criado territórios rivais em Fortaleza. Ontem, O POVO publicou mapa apontando locais na Capital onde há conflitos entre grupos rivais, destacando ainda o cotidiano de quem mora nessas áreas. Amanhã, o último dia da série mostra que a omissão do poder público e da Polícia agravam o problema.
Saiba mais
O POVO mapeou sete bairros em Fortaleza onde há territórios rivais: Aerolândia (Areal X Piloto); Barra do Ceará (Ratos do Morro X Diabos do Polo); Bom Jardim (Luminosa X Pantanal); Jangurussu (vários grupos no Parque Santa Filomena); Messejana (Mangueira X Coqueirinho); Pirambu (Areia Grossa X Cacimba X Cagece) e Tancredo Neves (Tancredo X Tasso).
O levantamento foi feito a partir de conversas com delegados, inspetores e PMs. Em comum, há disputa pelo tráfico de drogas. Em alguns casos, a rivalidade iniciou com briga de gangues.
A Polícia já fez operações no Morro de Santiago, apreendendo drogas e armas. “Mas é muito pontual. Vai lá, pega algumas coisas e vai embora. Não resolve o problema”, comenta um morador.